LANÇAMENTO DE CONTO CAPIXABA 2024 - "Na Terra da Aflição Morreu Esperança"
Título: Na Terra da Aflição Morreu Esperança
Autor: @PedrimPescador
Nome: Pedro Henrique Serrano Léllis
Escrito em: 03/2016 - Praia de Itaparica, Vila Velha/ES
SINOPSE:
Reza a lenda que esta história
aconteceu há cerca de 3 mil anos. Em um remoto lugar no deserto, afastado de
tudo e protegido por montanhas rochosas estava uma preciosa terra, um
verdadeiro oásis: a Terra de Aconchego.
Aconchego era um lugar simples,
nem grande nem pequeno, de povo muito próspero. Era uma terra fértil, que
produzia muito alimento, como cereais, frutas frescas e secas, flores e
especiarias aromáticas.
Em todo o vilarejo as famílias
criavam diversos tipos de animais, cabritos, jumentos monteses, bisões do
Himalaia e um sem número de plantas e aves raras, em especial pavões e faisões.
O vilarejo cheirava a orvalho
matinal, um peculiar cheiro, exótico, marcado por tons de cravo e canela.
Figura 1 – A
Terra de Aconchego – Ilustração Gerada por Inteligência Artificial
Havia artesãos e oficinas
diversas: carpinteiros, costureiros, construtores, ferreiros, vendinhas, amplos
jardins arborizados que separavam as casas que não tinham muros nem cercas.
Por todos os lugares viam-se
festas regadas a muito vinho e licores. Príncipes vinham de outras terras
celebrar casamentos e festividades na Terra do Aconchego.
Figura 2 –
Uma Típica Família da Terra de Aconchego - Ilustração Gerada por Inteligência
Artificial
Todas as famílias participavam
dos cultivos, colheitas, crias animais, vegetais e minerais, que eram colhidos
cada qual em sua época. Depois de processados, a produção era dividida
igualmente entre os trabalhadores, que poderiam trocar ou vender para cidades
longínquas.
Esperança era um dos homens mais
prósperos do vilarejo. Era dono de um dos dois mercados de variedades, era
casado com Doçura e trabalhava com a ajuda de seus dois filhos, Força e
Coragem.
Figura 3 –
Esperança e seus filhos, Força e Coragem – Imagem Gerada por Inteligência
Artificial
Pelo menos uma vez por ano
Esperança empreendia uma longa viagem com seus conterrâneos. Como muitos livros
de história antiga relatam – e é verdade – as viagens pelo deserto eram muito
perigosas, demoravam bastante tempo e careciam de uma verdadeira caravana de
pessoas e animais para que conseguissem levar tudo o que precisavam para
sobreviver e manter-se seguros.
Figura 4 – A Caravana da Terra de
Aconchego – Imagem Gerada por Inteligência Artificial.
Enquanto viajava, o mercado de
que Esperança era dono ficava sob o cuidado dos seus filhos Força e Coragem,
que recebiam e despachavam mercadorias enquanto Doçura cuidava dos afazeres
domésticos e da horta que mantinham atrás da casa.
O território de Aconchego era
dividido em quatro partes separadas por córregos que se uniam no brejo do vale.
As partes mais altas das montanhas ao redor eram usadas para cultivar plantas
frutíferas e aromáticas, enquanto que na planície brejosa raízes comestíveis,
pasto e gado.
As estradas de acesso para a
Terra do Aconchego eram muito perigosas: Íngremes, estreitas, viviam se
desfazendo e precisando ser reparadas, reconstruídas ou abandonadas. Era
ladeada por desfiladeiros, uma verdadeira armadilha para viajantes incautos e
invasores.
Durante as festividades grandes
balões em formato de querubins com asas enormes eram presos nas pontas das
rochas escarpadas e o vento ascendente nas ladeiras rochosas faziam os balões
manterem-se pairando no ar e promovendo a sensação de que estavam vivos, com
suas asas a bater e colorindo os monótonos e monocrômicos costões rochosos.
As musicas animadas, sempre
ritmadas com tambores graves e varetas de metal ecoavam por toda Aconchego e
não havia um lugar sequer em que as músicas e canções não pudessem ser ouvidas,
dentro dos seus domínios e até os portais limite das estradas de acesso. Por
estes e outros motivos, a Terra de Aconchego era considerada um terra divina,
protegida pelos anjos.
Do lado de fora da cadeia de
montanhas, havia dois acampamentos de viajantes e caravanas que vinham para
Aconchego, um ao sul e outro ao norte. Um constante rodízio de pessoas que se
preparavam para entrar ou sair, nas estradas de acesso.
Também ao norte estava a estrada
que levava para a Terra de Aflição, uma grande cidade que beirava o mar e
servia de polo portuário e comercial.
Certa feita a caravana de
Esperança, composta por muitos homens e animais sofreu bastante ao longo de uma
viagem: tempestade de areia, ataque de escorpiões e saque por salteadores. Foi
uma verdadeira tragédia que abalou a Terra de Aconchego, pois houve muitos
mortos, pais de família, jovens e até crianças.
Depois disso Esperança e os
outros anciãos já não queriam mais viajar. Esperança passou preferir ficar com
a família no aconchego do lar, com Doçura para lhe adoçar a vida e seus filhos
Força e Coragem para o estimar.
Em reunião os anciões decidiram
que seria melhor e proveitoso fazer uma aliança com a Terra da Aflição, pois a
vocação comercial da cidade os ajudaria a vender os produtos do vilarejo,
exportando-os para outras regiões do mundo antigo.
Entre os poucos sobreviventes do
conselho, e o mais experiente, Esperança foi escolhido para ir para a Terra da
Aflição para ser o represente comercial. Ele aceitou sua nova incumbência, sua
nova missão.
Doçura, mulher meiga e afável,
não gostou da ideia de se mudar para a Terra da Aflição, mas não teve jeito.
Seus últimos dias na Terra do Aconchego serviram para preparar a mudança, não
sendo pouca coisa, pois muitos produtos deveriam ser levados.
Doçura começou a se sentir
aflita, temerosa, questionando-se acerca da sua vivencia em uma terra
totalmente diferente: estranha, de cultura distinta, habitada por pessoas
competitivas, ásperas e aguerridas.
Figura 5 – Doçura, esposa de
Esperança e mãe de Força e Coragem. Ilustração Gerada por Inteligência
Artificial.
Capítulo
02 – Deixando o Lar
Doçura, sempre tão alegre,
sorridente, gordinha, feliz, cozinheira, atenciosa a tudo e a todos da família
ficava cada dia mais amargurada. Seu rosto e semblante já não eram mais os
mesmos.
Certa manhã encontrou-se com
vizinhas e amigas na lavanderia coletiva, na beira do riacho onde
perguntaram-na o que estava achando de ir viver na Terra da Aflição.
Doçura tentou não falar, tentou
se calar, ou procurar, com o mínimo de palavras, encerrar aquele assunto, mas
ao pôr-se a falar brotaram-lhe lágrimas dos olhos. Confessou a angústia e a
amargura do coração, sentimentos esses que nunca havia sentido.
Suas vizinhas tentaram consolá-la
para que não ficasse assim, dizendo que Aconchego estaria sempre consigo em sua
memória e coração.
E assim sentiu-se um pouco mais
tranquila, consolada, dando-se conta de que tudo que precisava possuía dentro
de si e em casa: esperança, força e coragem!
Foi quando então preparou a
refeição noturna de um modo especial, cantarolando tradicionais canções da
vila, animando seu esposo e filhos a fazer uma seresta caseira, à luz de
lamparinas e regados a muito vinho, coisa que Doçura e família não faziam há
tempos.
Suspeitando até da animosidade de
sua esposa, Esperança conversou seriamente com ela, perguntando se estava tudo
bem e se ela estava pronta para ir viver na Terra da Aflição. Ela disse que
sim, e que tinha tudo que precisava consigo: esperança, força e coragem.
Faltando poucos dias para
partirem, Esperança visitou outros anciões, reforçando a ideia de que não
esmorecessem. Com sua ida Aconchego continuaria sendo lugar próspero e
maravilhoso. Ele e sua família estavam partindo, mas a unidade do conselho dos
anciões os faria perpetuar e prosperar em Aconchego.
Os menos preocupados com a
mudança e partida eram Força e Coragem. Estavam animados e se preparando para
enfrentarem o deserto e residir naquela terra contrária e violenta.
Força e Coragem eram dois irmãos
muito amigos e companheiros. Não eram gêmeos, mas a diferença de idade era bem
pouca. Quando se mudaram de Aconchego, estavam saindo da adolescência para a
fase adulta, eram esbeltos e muito ativos. Ajudavam seu pai e a comunidade e
ainda se divertiam no campo, cavalgavam, tomavam banho nos riachos, cachoeiras,
subiam e se aventuravam nas montanhas rochosas.
Não eram muito religiosos, mas
desde que souberam que iam se mudar para a terra de Aflição passaram a entrar
mais no santuário do Eterno para contemplar a beleza da Sua santidade.
Figura 6 – Irmãos Força e Coragem
na Adolescência. Ilustração Gerada por Inteligência Artificial.
Todas as casas em Aconchego
mantinham um pequeno santuário dedicado ao Deus Eterno. Um tapete colorido de
lã de ovelhas cobria todo o chão. Um tacho com água servia para lavarem as mãos
e o rosto, enquanto em outro tacho eram dispensadas brasas e sobre elas ervas
aromáticas ao longo das orações. No altar, ao fundo do santuário, somente uma
mesa baixa coberta por um tecido.
No santuário do Eterno não há
imagem alguma, pois o Eterno é incomparável não há nada no mundo visível que se
Lhe assemelhe e entre as coisas invisíveis também não se é possível comparar.
Figura 7 – Cômodo dedicado ao Deus
Eterno, na casa de Esperança, na Terra de Aconchego. Ilustração Gerada por
Inteligência Artificial.
E lá estavam Força e Coragem,
pedindo justamente força e coragem para eles mesmos e sua família. Sabiam que
estavam indo para uma terra de aflição, de competição, de pessoas desonestas e
ambiciosas.
Na noite anterior à viagem, já
tendo as malas, trouxas, camelos, gado, mudas e frutas secas separadas e
preparadas, fizeram uma festa de despedida com muita gente presente. Como toda
festa e comemoração no vilarejo, muita comida, bebida, fogueira e música!
Esperança e família receberam presentes para levar como lembrança.
Aquela noite marcou a memória de
Doçura, que temia perder todo aquele calor humano, familiar, todo aquele
carinho e aconchego – afinal, quem não precisa? – por uma vida de labuta,
secura, aridez e aspereza.
Cedo, antes do nascer do sol
levantaram-se e partiram. Esperança e Doçura montados em camelos, Força e
Coragem montados a cavalo.
O caminho para a Terra da Aflição
não era desconhecido, mas pode-se dizer que a pior parte era sair dos termos de
Aconchego, pois as estradas eram perigosas, íngremes, escorregadias e com
desfiladeiros. Todo cuidado era pouco. Conseguiram atravessar as montanhas sem
enfrentar maiores dificuldades.
O sol já tinha nascido quando
atravessaram o acampamento norte. Esta viagem seria mais demorada que o normal,
havia muitos bens e pertences. Os dias de caminhada e descanso deveriam ser bem
geridos, como os recursos de alimentos e água.
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Conto: "O Bem-Te-Vi do Paraíso e o Resgate dos Irmãos de Yan".
Autor: @PedrimPescador
Nome: Pedro Henrique Serrano Léllis
Escrito em: 06/2023 - Retiro do Congo, Vila Velha/ES
Capa:
Link (neste blog): https://pedrimpescador.vilaconectada.net/2024/02/livro-o-bem-te-vi-do-paraiso-e-o.html
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